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After Mary

Porque a não-monogamia, para mim.

Costumo contar com certo orgulho sobre minha trajetória de quase 14 anos (no momento de escrita desse texto) praticando (e errando) (n)a não-monogamia. Já vi muitos casos peculiares de pessoas amigas, parceiras e às vezes nem tão próximas que entendem em mim um vetor de conhecimento e experiência sobre o assunto, se sentindo seguras para confidenciar dificuldades e alegrias de suas descobertas e relações a mim. Sempre achei isso muito curioso, mas gosto de conseguir ser esse referencial na maioria das vezes.

Eu também comecei a reparar que a ideia de não-monogamia baseada em quantidade de parcerias é o pensamento predominante, seja entre os críticos à prática (que não vou me alongar nesse texto), seja entre quem já está na não-monogamia há algum tempo. E pra mim também foi sobre ter mais de uma pessoa parceira em algum ponto da história, por muito tempo. Mas nos últimos anos, comecei a enxergar por uma outra ótica.

Essa ideia não surge no vácuo: ela faz parte da narrativa monogâmica baseada sobretudo na limitação da quantidade de parcerias (pode ter apenas um amor por vez e/ou para o resto da sua vida!). Mas eu e tantas outras pessoas autoras, que estudam relações não-monogâmicas e produzem material sobre o assunto, gostamos de pensar a quebra com a monogamia sob a perspectiva da construção de autonomia.

Para mim, é sobre ter a possibilidade de se relacionar com mais de uma pessoa caso queira, mas também sobre a tranquilidade de se sentir feliz estando sozinha. É entender que relacionamentos são complexos e cheios de surpresas, e que se um dia aquele em que existiu paixão e sexo deixar de ser assim, pode não ser uma razão por si só para romper a parceria. É passar a ver relacionamentos de amizade com o mesmo amor que se vê relacionamentos que envolvem sexo e contato físico, sem que um seja primordial em relação ao outro. É também sobre criar formatos novos de relacionamentos que nunca pensei que pudessem existir, e ver florescer ali uma conexão profunda e deliciosa.

Mas o mais importante, não-monogamia para mim é o exercício do direito a dizer não. Não preciso sair de casa em busca de pessoas novas para beijar pra me dizer não-mono (mas se quiser, pode). Não vou me limitar pelo determinismo social de "construir família" com um homem cis, parindo suas crianças a cada 2 anos. Não quero que minha vida gire em torno de uma pessoa pela qual eu farei eternos sacrifícios pessoais para provar que sou digna de seu amor. A cada rejeição que decido tomar sobre uma expectativa socialmente construída, minha autonomia como pessoa é alimentada, e as pessoas ao meu redor que realmente constituem minhas famílias não-nucleares são positivamente afetadas e inspiradas a fazerem o mesmo por si. E eu por elas, nesse grande ouroboros que é se relacionar com pessoas.

Esse é também o meu maior desejo e prazer ao praticar a não-monogamia por tanto tempo. Ver as pessoas amadas se descobrindo, descobrindo outras, entendendo processos, tomando decisões baseadas em seus próprios desejos, combatendo e aprendendo a lidar com traumas. Não sem percalços e problemas, é óbvio; mas até mesmo estes são interessantes quando acontecem.

Ao fim do dia, posso ter 7 parcerias ou nenhuma e ainda estarei praticando a não-monogamia, enquanto a prioridade da minha vida for justamente essa: a minha vida.